Francisco Rickelme Gomes Barros – Seminarista da Diocese de Campo Maior-PI

O Itinerarium mentis in Deum (Itinerário da mente para Deus ou em Deus) é a obra mais conhecida de São Boaventura, de tal forma que se levantam algumas questões filosóficas, dentre as quais o problema do conhecimento de Deus. Tal questionamento provoca em seu itinerário (a obra mencionada acima) uma tentativa de racionalizar o caminho espiritual e místico, sendo possível constatar um equilíbrio e uma proposta segura de que a fé e a razão podem perfeitamente andar de modo paralelo.

Na primeira via (Via sensitiva), faz-se o caminho com os vestígios de Deus que se apresentam no mundo criado por Ele, na análise do universo e do mundo sensível pela porta dos sentidos. Adentrando o conhecimento a priori que a pessoa humana possui e pelos vestígios de Deus no mundo sensível, o Doutor Seráfico levanta a possibilidade de o Homem iniciar sua elevação a esse conhecimento por meio do universo, a partir dos cinco sentidos.

Na segunda via (via intelectiva), a busca se faz averiguando a compreensão da imagem de Deus que está impressa na alma. Seguindo a tradição cristã, do seu tempo, Boaventura desenvolve seu pensamento nessa visão sobre analisar/conhecer ao Homem a partir de sua criação, analisando o fato da criação como momento em que o indivíduo teve verdadeiro e livre conhecimento de Deus, com o auxílio da graça, em sua contemplação perfeita. Porém, destaca que essa visão não era uma visão face a face, mas que já era muito superior a visão que hoje ele possa ter de seu criador.

Na terceira via (via sapiencial), a contemplação de Deus em sua essência, o itinerário é retomado em seu nome primário (o ser) e secundário (o bem), alcançando por fim o êxtase mental e místico, onde se demostra o auge do conhecimento e intimidade com Deus. O pensador franciscano percebeu a necessidade de elevar-se ainda mais, adentrado o Ser de Deus propriamente dito, no seu nome, na sua essência, o Ser e o Bem. Aqui já a racionalidade se depara com seus limites e começa a dar espaço para a fé: assim, no mesmo tempo em que o frade filósofo se utiliza dos argumentos filosóficos em especial de Santo Ancelmo, Agostinho e Dionísio, ele denota a importância das Sagradas Escrituras. Chegando ao êxtase mental, assim como indicado no seu prólogo, o franciscano remete seu leitor para no fim de todo o percurso do conhecimento de Deus pelos seus vestígios e sua imagem, possa se abrir a iluminação do Pai das Luzes.

O Itinerário de São Boaventura é a resposta clara e de alto nível racional e filosófico à indagação da possibilidade de o Homem chegar a cognoscibilidade do Ser puríssimo, perfeitíssimo e absolutíssimo. E, para tanto, redigiu gradativamente os passos necessários para obter um conhecimento verdadeiro, que se encontra acima de nós e de nossa inteligência, pois o último degrau a ser atingido é o próprio Deus que concede livremente a graça dessa intimidade perfeita, para que, no fim de toda essa busca possamos compreender, segundo Boaventura, que:

“Não basta a leitura sem a unção, não basta a especulação sem a devoção, não basta a pesquisa sem maravilhar-se; não basta a circunspecção sem o júbilo, o trabalho sem a piedade, a ciência sem a caridade, a inteligência sem a humildade, o estudo sem a graça […] Roguemos, portanto, e digamos ao Senhor nosso Deus: ‘Conduze-nos, o Senhor, na tua via e eu caminharei na tua verdade. Que o meu coração se regozije no temor de teu nome’” (São Boaventura)